por_Eduardo Lemos • de_Bath, Inglaterra
Se você é um artista iniciante em 2024, provavelmente já se perguntou se viralizar nas redes sociais é o jeito mais rápido de atrair atenção para o seu trabalho. Mas se fosse um artista, digamos, em 1964, 1974, 1984, 1994, 2004 e, talvez, até 2014, receber uma indicação ou ganhar um prêmio de Revelação do ano era considerado excelente publicidade. Ainda é em 2024?
Plínio Fernandes
"É duro comparar coisas do mundo analógico com o reino digital", observa Pena Schimdt, produtor musical, ex-executivo da Warner Music e Trama e ex-presidente da Associação Brasileira de Música Independente. "Tem prêmios no digital? Sim: os que alcançam milhão de audições… Mas é só como o vento batendo no milharal, vai todo mundo junto no mesmo movimento, mas ninguém sai do lugar, não causa nada.”
Para o especialista, a era das redes sociais pede uma atualização dos prêmios musicais. "Um prêmio, para ser efetivo, deveria ser... um prêmio. Que tal um milhão de reais? Isto, sim, faria sentido como um prêmio moderno funcionando hoje", diz Schmidt.
Melly
Autor do livro "25 anos do Prêmio da Música Brasileira" (Edições de Janeiro, 2014), em parceria com Gringo Cardia e Zé Maurício Machline, o jornalista Antonio Carlos Miguel diz que a internet mudou o jogo da música e, assim, a função dos prêmios:
"De alguma forma, naquele futuro previsto por Andy Warhol nos anos 1960, os artistas que viralizam já se credenciam como Revelação.”
Ele acredita, porém, que a validação vinda de um corpo de jurados continua tendo força para alavancar uma carreira em início de estrada. "Com as redes sociais, os artistas premiados têm conseguido amplificar ainda mais o feito. Resta saber quais os que vão permanecer. É aí que entra o papel das premiações”, comenta.
GIL E O VAPOR
Historicamente, ser indicado ou premiado como Revelação em cerimônias como as do Troféu Imprensa, Golfinho de Ouro, Prêmio da Música Brasileira (antigo Sharp, Shell e Tim) sempre foi um bom negócio. Os eleitos como melhores novidades do ano ganham o que Adriana Barros, jurada do tradicional prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte), classifica como "um vapor" na carreira.
"Foi o Gilberto Gil quem me falou isso, quando ele havia acabado de ganhar mais um Grammy: ’os prêmios servem como um vapor para o artista'. Porque na minha cabeça eu pensava: será que o Gil ainda precisa de um prêmio? Ele me respondeu que servia para isso. Essa frase nunca mais saiu da minha memória. E, sempre que estou como jurada em algo, esse é um dos critérios. Eu penso: como seria esse vapor nada carreira dele? Como ele usaria? Qual vai ser a consequência disso?”.
Adriana de Barros
É difícil de prever. De Beatles a Adele, de Gal Costa a Los Hermanos, muitos nomes consagrados um dia já foram eleitos "revelação do ano". Outros tantos não venceram, sem prejuízo às suas carreiras. E há o grupo que até leva o troféu para casa, mas isso não exatamente se traduz em crescimento de popularidade.
Em 1990, três cantoras concorriam na categoria "Revelação" do Prêmio Sharp de Música Brasileira. A vencedora foi Marisa Monte, já uma estrela em ascensão, com música estourada nas rádios (“Bem Que Se Quis”). A segunda concorrente era a gaúcha Maria Rita Stumpf, cujo trabalho não decolou e ficou fora do radar do mainstream até 2017, quando DJs europeus e asiáticos recuperaram o seu álbum "Brasileira", de 1987 - o jornal Folha de S. Paulo chegou a especular que "talvez Maria Rita Stumpf não precisasse ser redescoberta se, em 1989, ela tivesse recebido o troféu de revelação feminina do extinto Prêmio Sharp". A terceira indicada era Zélia Duncan, que não levou o troféu, mas assim mesmo se estabeleceu como uma das artistas mais importantes da sua geração.
VENCEDORES E PERDEDORES NO HOT 100
Depois de ganhar o prêmio, concorrendo com tantos artistas fenomenais, e por ter sido escolhida por uma banca de jurados, eu não tinha mais como ser tão insegura.”
MellyChris Della Riva, um pesquisador de dados relacionados à música dos EUA, sempre se perguntou se um prêmio desse tipo mudava a vida dos artistas iniciantes. Para isso, ele analisou a carreira de todos os nomes que, entre 1960 e 2023, foram indicados na categoria Melhor Novo Artista do Grammy. E concluiu que há 26% de chance de um vencedor ter uma carreira longeva e relevante após o prêmio. A probabilidade de a sua música ficar entre as 100 mais tocadas daquele ano é muito alta - de 95%. E, se o artista não levar a estatueta, não tem problema: "perdedores" têm ainda mais possibilidades de integrar o hot 100 (115%).
"Hoje não vejo essa mesma influência do passado", diz Adriana de Barros, da APCA. "Mas aquele que souber usar essa ferramenta a seu favor pode, sim, conquistar novos espaços, melhores contratos, chamar a atenção de marcas, patrocinadores, produtores locais e curadores. A gente sabe muito bem que a vida do artista não é nada fácil. Há muito investimento de energia e de dinheiro que, muitas vezes, não traz o retorno esperado, e um prêmio pode funcionar como um impulso, mostrando que o caminho é aquele.”
Foi o que aconteceu com a cantora e compositora baiana Melly, que levou o prêmio de Revelação de 2023 do disputado Prêmio Multishow.
"Eu tinha dificuldade de entender que eu trabalho com música, que tem pessoas que escutam a minha música, que precisam do que eu escrevo. Isso ainda não tinha acontecido. Mas, depois de ganhar o prêmio, concorrendo com tantos artistas fenomenais, e por ter sido escolhida por uma banca de jurados, eu não tinha mais como ser tão insegura. Eu não tinha como não acreditar mais no meu trabalho, não acreditar que aquilo de fato era um trabalho. O prêmio me mudou muito. Mudou quase tudo.”
Melly sentiu na pele que estar debaixo dos holofotes na era das redes sociais é virar alvo dos chamados 'haters'. "Os comentários negativos até tentaram mexer comigo, mas não conseguiram. Eu sou bastante grata por esse prêmio ter acontecido, mesmo que eu não tenha reconhecido a importância dele no momento.”
A cantora percebe um crescimento exponencial no número de ouvintes depois da premiação. O convite para shows e festivais também aumentou. "Agora eu me vejo em outro nível profissional", reconhece.
REPERCUSSÃO EM TODOS OS GÊNEROS
Não é só o pop que se beneficia dos prêmios dedicados a novos artistas. O instrumentista de música clássica Plínio Fernandes, Revelação do Prêmio da Música Brasileira do ano passado, diz que passou a ser procurado por TVs, jornais e podcasts, e estreitou laços com colegas de profissão. "Vários artistas que eu admiro vieram conversar comigo depois do prêmio. Hoje, eu tenho projetos que os envolvem também. É uma coisa que continua me rendendo frutos", revela o paulista de Itanhaém, que vive em Londres há uma década.
O carioca Choro na Rua foi a estrela da categoria Revelação do PMB de 2024. Formado por 11 músicos, o coletivo ainda abocanhou o troféu de Melhor Grupo Instrumental da edição. Para Silvério Pontes, um dos integrantes do grupo, "os convites para shows começaram a aparecer com mais frequência". Ele diz, porém, que um prêmio como esse afeta toda a cena do choro no Brasil. "É um estilo musical que está um pouco esquecido pelo mercado interno. O prêmio ajuda para que o choro seja mais reconhecido. E mostra que ele está bem vivo no Brasil inteiro.”
Há uma crítica de que os prêmios ainda são muito bairristas e premiam mais artistas do eixo Sul-Sudeste. O futuro parece estar na descentralização. A cantora pernambucana Uana foi a grande vencedora da categoria Revelação da edição 2023 do Women Music Awards/Billboard. Para a artista, além de ajudá-la a se "reposicionar no mercado e trazer um respaldo", o troféu é uma prova de que eventos como esse precisam olhar para o Brasil inteiro. "Às vezes, a gente aqui no Nordeste, quando está criando, se sente isolado e distante do eixo do Sudeste. O WME já tem uma perspectiva de descentralizar, tanto que no ano passado homenageou Dona Onete, e eu senti que está rolando essa movimentação de olhar para música de outros lugares. Tem artista fazendo música boa em todo lugar do Brasil”, ela resume.
Gabriel Thomaz
No final de agosto, o PMB anunciou que irá homenagear a dupla Chitãozinho & Xororó em sua 32ª edição, que acontece em 2025. É a primeira vez que o prêmio celebra a carreira de um artista sertanejo. A guinada tem sido interpretada como uma tentativa da premiação de se conectar com a música brasileira mais popular em 2024. "Se o Brasil ouve e consome música sertaneja em escala industrial, não há sentido em abafar o gênero em festivais e premiações relevantes", sentenciou o crítico musical Mauro Ferreira em sua coluna no G1.
Ainda que haja sinais de abertura, grande parte dos prêmios de prestígio mantém-se fechado para o que acontece na cena independente. Mas o lema do underground é "faça você mesmo", e foi o que o músico e compositor Gabriel Thomaz, da banda Autoramas, fez: em 2013, ele criou o Prêmio Gabriel Thomaz de Música Brasileira, que chega em 2024 à sua 11ª edição. Ele classifica a história como "uma brincadeira que deu certo".
"Eu via muita coisa boa acontecendo, e com pouca gente conhecendo. Apesar de todas as transformações que a gente teve no mundo da música, as pessoas ainda insistem em valorizar o que aparece mais na mídia tradicional. A minha iniciativa tem uma alma alternativa. Tenho muito orgulho de ter dado força à bandas que ficaram mais conhecidas através do prêmio", diz o artista. Algumas cerimônias do prêmio aconteceram durante Semana Internacional de Música de São Paulo (SIM-SP).
"Qualquer premiação e incentivo à música brasileira é sempre bem-vinda. Hoje, o Brasil tem diversos prêmios, e acho que todos acabam complementando, porque têm visões e aspectos diferentes, e só quem ganha com isso é a música brasileira. Nós somos uma classe de pessoas que precisam de incentivo e de um foco de luz em cima. E acho que todas as premiações fazem isso", observa o publicitário Zé Maurício Machline, criador do Prêmio da Música Brasileira •